Realmente sou uma sortuda

Há dias em que percebo o quanto sou sortuda. Há oito anos seguidos que trabalho neste local, é um emprego temporário, que comporta na sua maioria estudantes que pretendem ganhar algum dinheiro durante o verão. Comecei aos dezasseis anos, não fui obrigada nem tão pouco foi por necessidade, aliás, de inicio o meu pai não foi muito a favor com receio de que ao começar a receber dinheiro deixasse a escola para trás. Deu-me gozo ganhar o meu próprio dinheiro e poder gastá-lo nos meus caprichos e todos os anos lá estou eu pronta para mais uma época balnear.

Neste local trabalham mais de duzentas e tal pessoas, pessoas com diferentes estilos e histórias de vida. Há aquelas que por afinidade ou simplesmente por partilharem o mesmo espaço que nós acabam por nos confidenciar pormenores das suas vidas, uns bons outros nem tanto. Isto para dizer que já me cruzei por lá com pessoas com realidades muito diferentes da minha, que foram obrigadas a deixar de estudar por não terem dinheiro, e não falo de ir para a faculdade, falo de terminar o ensino secundário e o 9º ano e que ao contarem isto deitam uma lágrima de tristeza, sabendo que muitos que têm esse privilégio não lhe dão o devido valor. Outras que mesmo sendo menores de idade trabalhavam para ajudar os pais nas despesas, punham comida na mesa ou até pagavam dividas dos seus progenitores, ou que ao final do mês a comida era sempre arroz com feijão porque eram muitas pessoas e já não havia  muito dinheiro.

Apesar de não nadar em dinheiro nunca passei por nenhuma situação semelhante, os meus pais pagaram-me os estudos, sempre geriram bem o dinheiro para que no final do mês não andassem apertados e sempre pude gastar o que ganhava no verão em coisas que me davam prazer. Isto leva-me a pensar que sou uma sortuda do caraças, e que o facto de conseguirmos concluir os estudos e termos sempre comida na mesa é realmente um privilégio que muitos não tiveram ou não têm.